A Embrapa acaba de desenvolver uma tecnologia que permite ao produtor de alho manter bancos de multiplicação de sementes de alta qualidade em sua propriedade e, assim, garantir lavouras sadias e produtivas. É uma boa notícia para o agricultor porque as viroses acarretam grandes danos econômicos à cultura do alho e impedem a maior produtividade nacional.
Estimativas apontam que, por ano, cada brasileiro consome cerca de um quilo e meio de alho. A produção nacional na safra 2014/2015 vai responder por apenas quarenta por cento do volume comercializado, sendo a quantia restante importada da China (40%) e, em menor escala, da Argentina (20%). Nesse período, o País vai precisar de 300 mil toneladas de alho para o abastecimento nacional, ou seja, 2,5 milhões de caixas de dez quilos por mês.
A tecnologia gerada pela Embrapa inclui também um sistema que possibilita ao agricultor multiplicar o alho-semente livre de vírus (ALV) e, assim, gerar um fluxo contínuo de produção de sementes sadias. A utilização de alho-semente livre de vírus assegura a qualidade da lavoura e, com isso, o agricultor diminui as perdas no campo e consegue colher alhos com melhor classificação comercial, o que vai lhe garantir uma maior renda.
Enquanto de um lado a pesquisa científica busca desenvolver tecnologias para aprimorar o sistema de produção, adaptar os materiais genéticos às condições tropicais, e minimizar os danos por pragas e doenças, como é o caso do alho-semente livre de vírus, por outro, os atores da cadeia produtiva mobilizam-se por políticas públicas que valorizem o alho nacional diante do importado, como a tarifa antidumping, originalmente instituída em 1996.
Desde a aprovação inicial, a tarifa foi revisada por três vezes, sendo a última no ano passado, quando a sobretaxa foi estabelecida em US$ 0,78/kg. “A tarifa representa maior segurança para os produtores brasileiros ao garantir que as quatro mil famílias que dependem da produção de alho permaneçam no campo, assim como os mais de 100 mil empregos gerados pelo setor”, contextualiza Cristina Neiva, gerente-executiva da Associação Nacional dos Produtores de Alho (Anapa).
A tarifa antidumping estará em vigor por cinco anos, contudo o cenário a longo prazo preocupa porque, com o reconhecimento da China como economia de mercado em 2016, o cenário de investigação para renovação da tarifa será alterado e isso pode inviabilizar a sobretaxa para o alho importado deste país. “O setor deve aproveitar esse período para fortalecer a cadeia nacional, que tem plenas condições de abastecer o mercado interno com produto de qualidade durante todo o ano”, aconselha Cristina, para quem as importações chinesas de alho devem ser complementares à produção nacional e não o contrário.
De acordo com ela, o setor não pode apenas se basear em políticas públicas. É preciso também valorizar a produção nacional, para que o mercado não fique à mercê das importações. Assim, com políticas públicas para fortalecer a cadeia produtiva e com a adoção de tecnologias, o setor pode mostrar todo o potencial do alho nacional, que tem mais sabor e pungência que o alho importado e, por isso, agrada o paladar do consumidor brasileiro.
O alho é um alimento funcional, ou seja, possui substâncias que previnem problemas de saúde. Com propriedades antioxidantes e antibióticas, evita o envelhecimento celular e fortalece o sistema imunológico.
Alho-Semente livre de vírus
Viroses são doenças que acarretam grandes danos econômicos à cultura do alho porque, em virtude da reprodução vegetativa (que acontece por meio de bulbilhos), ocorre o acúmulo de vírus de um ciclo de produção para outro e, com isso, há redução no rendimento e na qualidade do produto. Para reverter esse cenário e tornar o plantio de alho mais competitivo, a Embrapa desenvolveu uma tecnologia que permite ao agricultor manter bancos de multiplicação de sementes de alta qualidade em sua propriedade e, assim, garantir lavouras sadias e produtivas.
O alho-semente livre de vírus (ALV) é uma tecnologia baseada em um processo de limpeza clonal, isto é, uma técnica de cultura de tecidos em laboratório para eliminação de vírus e outros microrganismos presentes na planta. Após essa etapa, ocorre a multiplicação in vitro e o processo de indexação, que são testes para comprovar a efetiva erradicação do vírus. “Por lidarmos com um patógeno intracelular, é preciso realizar um verdadeiro processo cirúrgico na planta de alho para assegurar a sanidade. O processo completo pode levar até três anos”, estima o pesquisador Francisco Vilela, ao informar que, em seguida, a planta livre de vírus é cultivada em telados para gerar toda uma população sadia de onde sairá o alho-semente para os agricultores.
O sistema que possibilita ao agricultor multiplicar o alho-semente livre de vírus consiste basicamente em produzir o alho-semente sob a proteção de um telado especial à prova de insetos transmissores de vírus. “Tendo esse cuidado, o produtor sempre terá bulbilhos sadios para gerar novas sementes e conduzir a lavoura comercial”, explica Vilela. O pesquisador também ressalta a importância de manter a área de produção de alho-semente separada da lavoura comercial para retardar a reinfecção por vírus do material plantado fora do telado.
Município baiano triplica produção
Os agricultores de Cristópolis, cidade do extremo oeste da Bahia, tiraram a prova e ficaram impressionados com os resultados da tecnologia ALV que, no intervalo de uma década, contribuiu para que a produção de alho do município triplicasse e saltasse de 700 toneladas para cerca de 2.000 toneladas por ano.
Antes da implantação da tecnologia, em 2002, os produtores classificavam o alho e os bulbos maiores eram comercializados e os menores eram utilizados como sementes para o próximo plantio, o que prejudicava a qualidade da cultura. Com a chegada do alho-semente livre de vírus, eles foram orientados a utilizar bulbos de melhor qualidade para o plantio da próxima safra, tornando o sistema de produção com alho LV ainda mais eficiente. Hoje, o munícipio baiano apresenta números expressivos. Segundo dados do IBGE, a produtividade média das lavouras de alho saltou de três para 12 toneladas por hectare, embora a área plantada tenha sido reduzida de 200 para 120 hectares.
“Além do aspecto quantitativo, pudemos observar a alta porcentagem de alho de melhor qualidade, com bulbos maiores, que vão receber melhor remuneração no mercado”, pondera o pesquisador Francisco Vilela. Se antes os produtores recebiam R$ 0,93/kg, remuneração muito abaixo da média da Bahia e do Brasil, atualmente, o valor pago aumentou para R$ 4,50/kg, ou seja, é 380% maior que dez anos atrás. Com essa quantia, eles ultrapassaram o valor médio pago no Estado e no País e a receita do município com o alho saltou de R$ 700 mil para R$ 9 milhões por ano.
Com gestão familiar, cerca de 200 propriedades cultivam alho em Cristópolis e a produção costuma ser escoada para as regiões Norte e Nordeste. “Nós vendemos também para as indústrias processadoras de São Paulo, já que ele sai mais barato que o alho importado e possui mais qualidade e sabor”, conta o agricultor José Borges de Brito, conhecido como seu Valdez, pioneiro da tecnologia em Cristópolis e, hoje, referência para os agricultores da região. De acordo com ele, a adoção da tecnologia contribuiu para melhoria da renda e para o giro do capital na propriedade. “O alho livre de vírus agregou valor ao produto e hoje tenho alho-semente de primeira qualidade. A minha lavoura, ano após ano, está cada vez melhor”, comemora.
A partir do exemplo do seu Valdez, o produtor Mário Luís Sales acatou a nova tecnologia e hoje planta 200 réstias para colher 3.200. “Antes eu plantava 600 para produzir 2.100 réstias e, ainda, com baixa qualidade”, relembra o agricultor que tem planos de expandir o telado para produção do alho-semente livre de vírus. “Antes o que produzia não pagava nem os custos e, com a chegada da tecnologia da Embrapa, houve um amplo desenvolvimento. O alho é uma das melhores culturas do nosso município e, hoje, pagamos os custos e ainda sobra dinheiro”, comemora.
Para Humberto Carvalho, técnico da Empresa Baiana de Desenvolvimento Agrícola (EBDA), o trabalho em parceria trouxe um avanço muito grande para todas as regiões produtoras de alho da Bahia. “Observamos que, com a importação do alho, os produtores estavam desestimulados, mas agora com semente de qualidade, eles aumentaram a rentabilidade da cultura e conseguiram atingir um padrão de vida melhor”, elucida.
O chefe de Pesquisa e Desenvolvimento da Embrapa Hortaliças, Ítalo Guedes, ressalta a importância do trabalho, voltado especificamente para agricultores familiares. “Esse caso é um exemplo claro de transferência de tecnologia, uma vez que houve apropriação pelos produtores. Serve para mostrar que a pesquisa científica tem um efeito concreto sobre a vida de agricultores País afora”, analisa.
Nova cultivar de alho para agricultura familiar
Outra pesquisa da Embrapa que está sendo testada pelos agricultores de base familiar da região de Cristópolis (BA) é a nova cultivar de alho BRS Hozan, que apresenta alta produtividade e uniformidade de bulbos. Contudo, a grande vantagem competitiva desse material para os agricultores familiares é que ele dispensa a vernalização, um tratamento necessário para que o alho, uma cultura de clima temperado, se desenvolva bem em condições tropicais.
O processo de vernalização prevê o armazenamento do alho-semente em câmara fria, com temperatura entre 3 e 5ºC, por um período de até dois meses. “A vernalização substitui a ausência de frio no campo e minimiza os impactos do clima quente no desenvolvimento da cultura. Como o alho BRS Hozan não necessita desse tratamento, ele é uma opção para o agricultor familiar devido ao menor custo de produção, já que não há necessidade de investir em câmaras frias”, analisa o pesquisador Francisco Vilela.
As cultivares de alho nobre, por exemplo, muito valorizadas pelo mercado e plantadas por grandes produtores, necessitam de vernalização, que é uma tecnologia cara. Justamente por isso, o alho BRS Hozan é interessante para agricultura familiar, visto que, por um lado, apresenta características semelhantes à dos alhos nobres e, por outro, não exige a vernalização.
Além dos benefícios da tecnologia livre de vírus, que assegura a qualidade fitossanitária do alho-semente, a cultivar BRS Hozan possui tolerâncias a doenças foliares como ferrugem e mancha-púrpura. “Esse material tem um mecanismo que promove o isolamento da doença ao interromper o fluxo de nutrientes na região atacada e, assim, o microrganismo não consegue se disseminar para o restante da planta”, explica Lenita Haber, analista de Transferência de Tecnologia da Embrapa.
Considerado um alho seminobre, ele surge como uma opção para os agricultores familiares de regiões de clima tropical acostumados a plantar as variedades de alho comum Cateto Roxo ou Amarante. A aparência do bulbo, quando comparada aos materiais de alho comum, destaca-se pela homogeneidade, já que os bulbilhos se encaixam perfeitamente na estrutura.
“O alho BRS Hozan possui bulbilhos grandes e de qualidade. Por isso, ele é indicado para substituir cultivares com número excessivo de bulbilhos e baixa aceitação comercial”, recomenda Lenita ao pontuar que essa característica agrega valor ao produto e garante uma opção de renda ao agricultor que pode vender o alho encartelado, ao invés de em réstias. Do ponto de vista do consumidor, o novo alho também agrada pelo aroma e sabor acentuados, facilidade de descascar e elevado teor de sólidos solúveis, que confere ao material boa aptidão para processamento.