Por Imprensa Anapa
O México é conhecido pelas praias paradisíacas de Cancún, pelos sabores intensos da guacamole, dos tacos e da tequila, e por sua cultura vibrante e colorida, celebrada até mesmo no Dia dos Mortos. Mas, desta vez, o país ficou marcado na memória como um polo agrícola pulsante, com destaque especial para a cultura do alho.
Entre os campos de Irapuato, Zacatecas e Aguascalientes, os mexicanos estão avançando para uma agricultura 4.0, mesclando tradição com inovação, enfrentando os mesmos desafios dos brasileiros, mas por caminhos diferentes.
Quem traz essa perspectiva é Mírian Delgado, diretora-executiva da Associação Mineira dos Produtores de Alho (Amipa). Engenheira agrônoma, mestre em produção vegetal e especialista em gestão de vendas, Mírian passou uma semana em solo mexicano mergulhada na cadeia produtiva do alho. Em entrevista à Anapa, ela compartilha o que viu, ouviu e sentiu, e como essa vivência pode inspirar novas rotas para os produtores brasileiros.
Qual foi o itinerário da viagem e o maior aprendizado que você trouxe na mala?
A jornada começou na movimentada Cidade do México, na gigantesca Central de Abasto: um verdadeiro formigueiro comercial de 327 hectares, onde circulam alimentos, ideias e oportunidades. De lá, partimos para Irapuato, onde visitamos o Grupo Aguilares, comandado pelo produtor Javier Usabiaga, referência nacional na cultura do alho. Seguimos depois para Zacatecas, maior região produtora do país, onde conhecemos o grupo Los Trejos. E encerramos em Aguascalientes, na propriedade dos Los Rancheros e no Congresso Internacional de Alho.
O que ficou como maior aprendizado? A certeza de que, apesar das distâncias geográficas, enfrentamos os mesmos dilemas no campo. A forma como eles buscam soluções diferentes para problemas parecidos nos faz repensar processos e valorizar o intercâmbio entre ciência e prática, entre países e produtores.
O que mais te surpreendeu na produção de alho mexicana?
Foi o amor. O amor pelo que fazem, pela terra, pela cultura do alho. É algo que transcende a técnica. Está na forma como defendem a produção, buscam conhecimento, compartilham aprendizados. Esse vínculo emocional é algo que reconheço instantaneamente, e me emociona sempre que vejo.
Como você descreveria o produtor mexicano?
Extremamente receptivo, curioso e comprometido. Senti como se estivesse no Brasil. Eles são abertos, transparentes e têm uma vontade genuína de trocar experiências. Em cada visita, em cada conversa, havia uma disponibilidade real de mostrar o que fazem e aprender com o que levamos. Foi uma conexão imediata.
Quais práticas agrícolas chamaram sua atenção?
A irrigação por gotejo, sem dúvida. Em todas as lavouras, mecanizadas ou não, esse sistema é padrão. É uma operação complexa: exige precisão no manejo, implantação de mangueiras, retirada do sistema antes da colheita. Mas o reflexo na produtividade e na qualidade é impressionante. No Brasil, temos a vantagem de recursos hídricos que viabilizam pivôs, mas ver o gotejo em larga escala sendo bem executado foi inspirador.
A mecanização está em que nível nas lavouras que você visitou?
Visitamos extremos: de grandes áreas 100% mecanizadas, como os 850 hectares de Javier Usabiaga, a produções 100% manuais, com famílias inteiras trabalhando no corte. No México, a legislação trabalhista permite uma flexibilidade que o Brasil não tem, o que facilita o uso intenso de mão de obra. Mas, quando falamos de adoção tecnológica, quem mecaniza, faz isso com intensidade e estratégia. Eles incorporam as tecnologias e seguem adaptando conforme suas necessidades.
Alguma tecnologia te chamou a atenção como possível inovação aqui no Brasil?
Sim e me encantou. É o uso do refratômetro para determinar o ponto ideal de colheita, com base no índice de BRIX. Um dado técnico, confiável, que ajuda o produtor a tomar decisões no momento certo. Ainda não vi essa prática difundida no Brasil, mas vejo nela um enorme potencial para melhorar qualidade e uniformidade do produto.
O uso de drones para pulverização já é comum por lá?
Sim, bastante. Muitos produtores já adotaram o uso de drones como uma forma eficiente de entrar na lavoura sem causar danos foliares, o que ajuda a evitar doenças. Eles gostam da tecnologia, confiam nela e estão explorando novas possibilidades para expandir seu uso em diferentes fases do cultivo.
Você notou alguma diferença marcante no manejo de pragas e doenças?
Os inimigos são os mesmos: trips, mofo branco, alternária, raiz rosada. Mas a severidade parece menor por lá. Eles investem pesado em rotação, levam de quatro a cinco anos para retornar a uma mesma área. E isso faz muita diferença. No mais, as estratégias são muito parecidas com as nossas.
E a produtividade? O México tem números muito diferentes do Brasil?
Há bastante variação, como aqui. Vi áreas produzindo entre 12 e 15 toneladas por hectare, e outras chegando a 25, até 28 toneladas. Isso depende do calendário de plantio, altitude, clima e da escolha da variedade. Os produtores mexicanos acompanham tudo isso de perto, com bastante critério técnico.
O que garante a qualidade do alho na pós-colheita?
Tudo começa na lavoura, com o ponto de colheita determinado com precisão. Depois vem a cura adequada, o cuidado com a ventilação, a seleção criteriosa dos bulbos e o uso de embalagens ventiladas, tanto de papelão quanto de plástico. Para quem exporta, o compromisso com a rastreabilidade e as exigências internacionais também entram como diferencial.
A forma de comercialização por lá te chamou atenção?
Muito! A Central de Abasto é quase um organismo vivo. Funciona todos os dias, quase 24h, recebendo a produção diretamente do campo. O alho chega, passa por uma pré-secagem no campo, chega na Central de Abasto e logo está exposto para venda. A comercialização é ágil, prática e adaptada a múltiplos tipos de clientes, do atacado ao consumidor final.
O México é um bom modelo para o Brasil?
Acredito que podemos nos inspirar e aprender mutuamente. Não se trata de copiar, mas de adaptar. O intercâmbio internacional é essencial para vermos onde podemos evoluir. Cada realidade tem suas particularidades. O importante é ter a mente aberta para adaptar o que pode agregar valor à nossa produção.
Houve algo que você viu lá e que não recomendaria?
Não. O que vi foram práticas que precisam ser avaliadas com base na realidade de cada produtor. O que funciona no México pode não funcionar aqui, e vice-versa. A questão é analisar com cuidado o que é viável técnica, econômica e culturalmente para cada cenário.
Como foi participar do Congresso Internacional de Alho?
Foi uma experiência riquíssima. O nível técnico foi alto, os produtores extremamente interessados, e as palestras abordaram temas essenciais: de variedades à pós-colheita, passando por agricultura de precisão. A troca com pesquisadores e produtores foi muito intensa. Um evento que nos inspira a continuar promovendo encontros como esse também no Brasil.
Qual foi o momento mais marcante da viagem?
Ver como as famílias se organizam no campo. Crianças pequenas trabalhando, bebês nos contentores enquanto as mães cortavam o alho. Um cenário que, para nós, é impensável, mas que lá está dentro de uma lógica social e cultural específica. Foi impactante, me fez refletir muito sobre as diferenças trabalhistas e os caminhos que cada país trilha.
Em uma frase: o que você trouxe dessa experiência?
Muito mais que conhecimento técnico. Voltei com uma nova visão, conexões que levarei para a vida e a certeza de que sempre há espaço para aprender, basta estar aberto ao novo.