Saiu na Mídia – 12 de junho de 2023 – Revista Campo e Negócios
Os produtores da região de São Gotardo conquistaram a Indicação Geográfica (IG) para a produção de cenoura, alho, batata e abacate. O reconhecimento deve beneficiar cerca de 400 agricultores do Alto Paranaíba, um dos mais importantes polos produtores de hortifrúti do País
Minas Gerais é um dos maiores detentores de Indicações Geográficas (IGs) aprovadas no país. O Estado soma oito IGs (concedidas pelo Instituto Nacional de Propriedade Industrial – INPI), ficando atrás apenas do Rio Grande do Sul, com 11.
As IG, criadas em 1996, são ferramentas coletivas de valorização de produtos tradicionais vinculados a determinados territórios. Possuem duas funções principais – agregar valor ao produto e proteger a região produtora –, e são classificadas em duas categorias: indicação de Procedência (IP) e Denominação de Origem (DO).
Para obter a primeira, basta que o produto seja famoso na região. Já para conseguir a segunda, é necessário que os produtores comprovem que o território onde a mercadoria é produzida tenha condições físicas e humanas próprias.
A IP refere-se ao nome de um País, cidade ou região conhecido como centro de extração, produção ou fabricação de determinado produto, ou de prestação de determinado serviço; a DO reconhece o nome de um país, cidade ou região cujo produto, ou serviço tem certas características específicas graças a seu meio geográfico, incluídos fatores naturais e humanos.
O primeiro produto a conseguir o registro foi o vinho do Vale dos Vinhedos, no Rio Grande do Sul, após criado o selo de Indicação de Procedência em novembro de 2002. Em Minas Gerais, o pioneiro foi o café do Cerrado, conquistando o selo IP em 2005 – 35 anos depois do início da cafeicultura na região.
Após obter o selo, a Federação dos Cafeicultores do Cerrado aprimorou a própria organização e, em 2013, conseguiu a Denominação de Origem, tornando-se também o primeiro produto mineiro a ter o selo DO.
Origem de qualidade
De acordo como o Ministério da Agricultura e Pecuária, o Registro de Indicação Geográfica é conferido a produtos ou serviços que são característicos do seu local de origem, o que lhes atribui reputação, identidade própria, além de os distinguir em relação aos seus similares disponíveis no mercado.
Os produtores rurais da região de São Gotardo já podem comemorar uma relevante conquista – o deferimento da Indicação Geográfica (IG), na modalidade Indicação de Procedência, emitido pelo Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI), para a produção de cenoura, alho, batata e abacate.
O reconhecimento deve beneficiar cerca de 400 agricultores do Alto Paranaíba, um dos mais importantes polos produtores de hortifrúti do País, composto pelos municípios de São Gotardo, Tiros, Matutina, Ibiá, Rio Paranaíba e Campos Altos.
Entenda o processo
A Indicação Geográfica é um reconhecimento que garante a procedência do produto, e sua qualidade e se torna um diferencial competitivo para os produtores da região. Dividido em Denominação de Origem (DO) e Indicação de Procedência (IP), o registro de Indicação Geográfica evidencia a reputação, as qualidades e as características de produtos e serviços de uma localidade.
Na região de São Gotardo, a produção das quatro culturas é caracterizada pela excelente combinação de solo, clima, relevo e a alta tecnologia, aliada à força do coletivo e do empreendedorismo, o que resulta em uma produção diversificada, rastreável e com qualidade superior.
Com atuação estratégica do Sebrae Minas, a Indicação de Procedência será um fator de diferenciação para a produção de hortifrúti. “O reconhecimento da marca de território pode favorecer a abertura de novos mercados, agregar ainda mais valor aos produtos e fortalecer os principais elos da cadeia produtiva da região de São Gotardo”, ressalta o Gerente da Regional Noroeste e Alto Paranaíba do Sebrae Minas, Marcos Geraldo Alves da Silva.
Estruturação
Desde 2011, os produtores, por meio do Conselho Regulador da Região de São Gotardo, com apoio do Sebrae Minas, buscam transformar a região em referência em inovação, valorização do coletivo e qualidade.
Com a estruturação da governança local e de todo o processo produtivo, o território criou, em novembro de 2014, o selo de Origem e Qualidade Garantida, uma marca coletiva que é utilizada por produtores associados ao Conselho. A iniciativa possibilitou dos hortifrútis para uma unidade Supermercado Super Nosso, em Belo Horizonte, no ano de 2019.
Agora, com o deferimento da Indicação de Procedência, que teve o pedido feito em junho de 2016, todo e qualquer produtor que estiver no território e seguir o Caderno de Especificação Técnica, pode fazer o uso do registro.
“O desafio agora é apropriar, de maneira estratégica, dos valores que serão gerados a partir da Indicação Geográfica”, ressalta a gerente da unidade de agronegócio do Sebrae Minas, Priscilla Lins. Segundo ela, os produtores precisam apresentar e promover para o mercado consumidor o diferencial desses produtos.
Estratégia
“Há uma tendência no setor alimentício de conferir a origem dos produtos. Quando a fonte do alimento está mais distante, o consumidor deseja conhecer o processo produtivo, as características da região. É uma forma das pessoas entenderem a história do produto e de quem o produziu”, explica Naiara Marra, analista do Sebrae Minas.
A estratégia do território foi construída com especialistas no tema e contou com uma viagem de referência à Itália. A ideia do trabalho é que os produtores construam um movimento regional por meio do propósito de “pioneirismo coletivo”.
Para fazer a gestão da estratégia foi criado um Conselho da Região de São Gotardo, integrado por 22 produtores, responsável por controlar, proteger e promover a estratégia por lá.
O projeto é aberto a todo produtor do território, bastando que ele se filie ao conselho regulador e siga os protocolos de produção e rastreabilidade do Selo de Origem e Qualidade Garantida.
Diferencial de produção
Quem percorre as ruas de São Gotardo, no Alto Paranaíba, logo percebe a forte influência oriental na cidade, fruto da migração iniciada em 1910. Fato é que a região nunca mais foi a mesma depois da chegada dos japoneses.
Eles trouxeram consigo uma forma diferenciada de fazer agricultura, aliando a disciplina oriental à criatividade brasileira e às características do solo, clima e altitude locais. Tudo isso, somado à qualidade dos produtos cultivados ali – alho, cenoura, batata, abacate e beterraba – fazem do município um produtor agrícola singular.
A altitude da região e características do solo são importantes fatores para a qualidade dos hortifrútis de São Gotardo. Mas, há diferenciais além disso – no DNA das fazendas observa-se o pioneirismo dos japoneses, que desbravaram o Cerrado Mineiro (que completa 50 anos de história) em busca dos melhores locais para plantio, sem medo de correr riscos e se adequar a processos inovadores.
Hoje, a segunda geração dos pioneiros já administram as atividades de produção.
Ciclo humano
Os produtos também são resultado de um cuidado constante com o solo e a água para irrigação, do respeito ao meio ambiente, bem como da seleção criteriosa dos produtos que serão comercializados.
O ciclo produtivo se encerra com a valorização do ser humano em todos as etapas (comercialização, produção e logística). A marca é a possibilidade dos produtores se comunicarem com os consumidores, agregando valor aos produtos e sendo reconhecidos pelo seu pioneirismo, empreendedorismo e pela forma humanizada de trabalhar os produtos.
O que diz o produtor
A história agrícola da região de São Gotardo teve início em 1973, quando foram assentados 93 agricultores padrão de 250 hectares cada lote, totalizando 25.000 hectares. Jorge Kiryu chegou oito anos depois, e iniciou com os cultivos de soja, café e arroz na Fazenda Lote 47.
“Com o passar do tempo, foi possível a implantação de maiores escalas de produção, quando entrou a batata, cenoura, café e, mais recentemente o alho e abacate. Foi assim que conseguimos implantar a mecanização e a agricultura de precisão”, relata.
Atualmente, a irrigação de Jorge é automatizada por meio de pivôs centrais, uma tecnologia que deu grande impulso à mecanização.
De obstáculos a trampolins
Para não errar no processo de Indicação Geográfica, Jorge contou com o suporte técnico do Sebrae MG para a formação do Conselho da Região de São Gotardo, Rio Paranaíba, Ibiá, Campos Altos, Ibiá e tiros, região geograficamente delimitada com altitude acima de 900 a 1.300 metros de altitude, com clima ameno, característico do Cerrado.
Atualmente, Jorge planta cenoura, batata e alho, culturas em que a região é reconhecida pela excelente qualidade. O solo é plano, com abundância de água para irrigação. “Após um longo trabalho, enfim conseguimos o reconhecimento e outorga da Indicação Geográfica (I.G), sendo a primeira desta natureza no Brasil. Outros produtos, como o queijo da Serra da Canastra, o café do Cerrado, já tinham alcançado esse reconhecimento, mas em HF é inédito. Sou produtor rural e engenheiro agrônomo, e tenho orgulho de trabalhar com meus filhos nesta região tão abençoada”, considera.
Sobre o processo de obtenção do rótulo, Jorge conta que o trabalho tem que ser coletivo. “Por isso, duas cooperativas locais se uniram, pois nenhum produtor pode usar o selo de forma individual. Reunimos uma farta documentação e, com a assessoria do Sebrae-MG, chegamos lá”, comemora.
Jorge lembra que os países de primeiro mundo valorizam muito os produtos com indicação geográfica, com sustentabilidade ambiental e social, e ainda que no Brasil os produtores e consumidores estejam dando seus primeiros passos nesta direção, é uma tendência que veio para ficar.
O apoio do Sebrae
Cláudio Wagner de Castro, analista técnico do Sebrae, acompanhou todo o processo de perto. Segundo ele, a Indicação Geográfica independente do produto ou serviço, é o reconhecimento conferido a produtos ou serviços que são característicos do seu local de origem, o que lhes atribui reputação, valor intrínseco e identidade própria, além de os distinguir em relação aos seus similares disponíveis no mercado.
Quando questionado sobre os objetivos da obtenção de uma Indicação Geográfica para produtos hortifrutícolas, ele enumera controlar, proteger e promover um território, que são atribuições de um conselho regulador de uma indicação geográfica.
Estas atribuições, quando trabalhadas em conjunto com uma estratégia de território, auxiliam no reconhecimento do produto/serviço e o conecta com consumidores, contando a origem do produto, como foi produzido, sua história e a história do produtor, o que tende a gerar demanda por produtos de uma região. Cláudio cita como exemplo o café da Região do Cerrado Mineiro.
“Agora a IG abrange batata, alho, cenoura e abacate, que foram reconhecidos na Indicação Geográfica da Região de São Gotardo, na modalidade de Indicação de Procedência (país, cidade, região ou localidade) reconhecido pela produção, fabricação ou extração de determinado produto ou serviço (INPI)”, explica.
Regras a seguir
Independente do produto, há regras para o reconhecimento de uma indicação geográfica. É preciso percorrer um caminho onde são comprovadas diversas exigências do INPI para a construção de um dossiê, que é depositado e analisado pelo mesmo.
Entre os requisitos estão o caderno de especificações técnicas, por ser o documento norteador da IG. Trata-se de um documento que deve refletir a realidade e as características da IG a ser protegida. Nome geográfico, descrição do produto/serviço e delimitação de área geográfica e descrição da qualidade e características do produto/serviço são exemplos do que deve conter em um caderno de especificações técnicas.
Mas os benefícios compensam. Pelo lado do produtor, Cláudio Wagner cita como exemplo a valorização do território por meio da comunicação ao consumidor sobre a origem do produto. “Quando eu sei a origem de um produto, reconheço atributos que agradam, volto a buscá-lo no mercado. Isso gera conexão do consumidor com o território, outro valor a ser analisado”, pontua.
Comunicação clara
Produtos hortícolas são comercializados, geralmente, a granel em supermercados. Portanto, o analista do Sebrae avalia que o principal desafio está na comunicação da indicação geográfica no produto para o consumidor final. “Outro grande desafio é a necessidade de envolver diferentes elos da cadeia produtiva. Isso porque são poucos os produtores que comercializam direto como varejo”, diz.
Ainda segundo Cláudio Wagner, além da IG, existe uma outra estratégia, que é o uso de uma Marca Coletiva (destinada a identificar e distinguir produtos ou serviços provenientes de membros de uma pessoa jurídica representativa de coletividade).
Porém, a indicação geográfica torna o processo mais inclusivo, de acordo com o analista, porque todo produtor que estiver no território e seguir as regras do caderno de especificações tem o direito de uso. “A Marca Coletiva é um processo privado, sendo necessário a filiação do produtor à entidade detentora da marca”, esclarece.
Já um produto que recebe o selo de indicação geográfica significa que passou por procedimentos de produção e que conferem a qualidade mínima conforme caderno de especificações. Na região de São Gotardo, o processo começou em 2014, com a construção da estratégia de identidade e origem.