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Alho brasileiro sofre com concorrência desleal, mas tem melhor qualidade

18 de setembro de 2017

Produto nacional sofre com a concorrência dos importados da China, mas tem sabor mais picante, aroma forte, textura macia e apresenta rendimento muito superior

Luciano Martarello, na fazenda de produção de alho na zona rural de Planaltina.

O alho é um dos alimentos mais consumidos pelos brasileiros. É, também, um dos produtos mais democráticos da agricultura nacional, sendo cultivado em quase todos os estados. As plantações nacionais ocupam 12 mil hectares, o que equivale a 12 mil campos de futebol. A produção deve chegar a 140 mil toneladas este ano, segundo estimativa da Associação Nacional dos Produtores de Alho (Anapa).

O setor, que contribui para a subsistência de quatro mil famílias da agricultura familiar e cerca de mil produtores, sendo responsável por 150 mil empregos diretos no país, trava uma batalha com o alho chinês, que entra no Brasil com valor bem abaixo do praticado no país. “Aí, só estocando o nosso alho agora para que ele possa ser vendido lá para o fim do ano, por um preço melhor”, desabafa Luciano Martarello, um dos maiores produtores de alho do Distrito Federal.

O alho nacional, no entanto, tem mais qualidade do que o chinês. O produto brasileiro tem sabor mais picante, aroma forte, textura macia e apresenta rendimento superior. É aquele com a casca de cor roxa, um diferencial que já pode ser visto a olho nu quando confrontado com o produto chinês, de casca branca. O alho produzido no Brasil é vendido acondicionado em sacos plásticos, enquanto o “made in China” é esparramado pelas bancas de supermercados ou feiras, a um preço muito inferior. Os produtores brasileiros brincam que é o alho-isopor — opaco e sem cheiro. “Não é puxando a sardinha para o nosso lado, mas o alho nacional fica dourado e crocante. É totalmente diferente”, compara Luciano Martarello.

O produtor já chegou a plantar até 100 hectares de alho na fazenda que leva o sobrenome da família, localizada em área rural de Planaltina. Este ano, no entanto, optou em cultivar 30 hectares de terra, garantindo, assim, a colheita de 360 toneladas do alho roxo, produto nobre, de maior qualidade. O produto tem mercado certo — além de abastecer o DF, é vendido em estados das regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste. Cálculos feitos na ponta do lápis pelo agricultor, no entanto, indicam que não é o momento de comercialização do produto. Contabilizado o custo de produção em torno de R$ 80 mil por hectare, a caixa com 10 quilos sairia do produtor entre R$ 10 e R$ 15, em média.

“Enfrentamos uma concorrência desleal com o alho chinês, que acaba entrando no Brasil a preços mínimos. O governo deveria estimular o consumo do alho nacional, que tem melhor qualidade. Assim poderíamos empregar mais gente por aqui e ajudar a aumentar a renda das pessoas”, desabafa Martarello. O drama do produtor do DF reflete o que acontece em escala nacional. O preço do alho brasileiro caiu mais de 50%. Em pleno auge da safra brasileira, o alho chinês está chegando ao Brasil a R$ 70 a caixa de 10 quilos, valor abaixo do custo de produção nacional, estimado em R$ 75.

 
 

Recorde

O Brasil importa 55% do alho consumido no país. As importações bateram recorde no mês de agosto, com a entrada de dois milhões de caixas de alho, vindas, principalmente, da China, da Espanha e da Argentina. Mas é o país asiático, com uma série de práticas que contrariam normas do comércio mundial, que está dando dor de cabeça aos produtores brasileiros. A China pratica o dumping, ou seja, vende o produto abaixo do custo internacional. “Essa prática é nociva e predatória. Para corrigir essa concorrência desleal, o governo aplicou a tarifa antidumping, que hoje está com o valor de US$ 7,80, a caixa de 10 quilos. Todo alho importado da China tem de pagar essa tarifa”, explica Rafael Corsino, presidente da Associação Nacional dos Produtores de Alho (Anapa).

 Além da taxa, a China paga a Lista de Exceção à Tarifa Externa Comum (Letec), atualmente calculada em 35% do preço FOB, sigla de free on board, que designa um tipo de frete em que o comprador assume todos os riscos e custos com o transporte da mercadoria a partir do momento em que ela é colocada a bordo do navio. Esta tarifa também vale para os demais países que importam alho para o Brasil, exceto para o bloco do Mercosul.

 Mesmo assim, as importações da China continuam a crescer. Mas nem todo alho que entra no país paga as taxas devidas. “Ocorre muito subfaturamento, fraudes, e, recentemente, alguns importadores que trazem alho chinês estavam alegando que a taxa antidumping não valia para certos tipos de classificação de alho”, disse Corsino.

 O crime de descaminho também entrou na “rota do alho”, de acordo com Rafael Corsino. Ele explica que a Receita Federal tem identificado a prática desse tipo de crime de ordem tributária, com fraude na importação do alho chinês. “Esse alho entra no Brasil direcionado como se fosse para o Uruguai, Chile ou outro país do Mercosul, não paga o dumping e sai do Brasil como se fosse um produto local, o que também prejudica os produtores nacionais”, analisa Corsino.

 Um dos métodos utilizados por importadores para facilitar a entrada do alho chinês no Brasil é questionar, judicialmente, o direito de inspetores alfandegários cobrarem a tarifa antidumping. Como os juízes estavam concedendo liminares autorizando o não pagamento da tarifa, a Anapa entrou com um pedido de avaliação de escopo da medida antidumping e a Câmara de Comércio Exterior (Camex) reconheceu que a taxa vale para todo e qualquer alho importado da China.

Medidas protetivas

Sem mecanismos de defesa comercial, a situação dos produtores nacionais de alho fica muito difícil, explica o presidente da Associação Nacional dos Produtores de Alho (Anapa), Rafael Corsino. Ele argumenta que, hoje, o custo de produção de alho no Brasil gira em torno de R$ 75, a caixa de 10 quilos. “Sem tarifa antidumping e com a TEC (Tarifa Externa Comum) de 10%, o alho chinês chega ao Brasil custando pouco mais de R$ 50,00. Com esse custo, fica inviável produzir alho no Brasil”, explicou Corsino.

 Quando as medidas protetivas são burladas, ou mesmo descumpridas, ocorre um desequilíbrio no mercado nacional, com os produtores brasileiros tendo que adequar o preço do produto de modo a não sofrerem maiores perdas na venda da safra.

 Jurisprudência sobre o tema normatiza a questão. “Não há violação aos princípios da livre iniciativa e da livre concorrência”, manifesta a autoridade judiciária. “O artigo 237 da Constituição da República autoriza o Ministro da Fazenda a fiscalizar e a realizar controle relativo ao comércio exterior. Objetiva-se proteger a economia nacional, diante do ingresso de produto importado ofertado a preço artificialmente depreciado”, informa o texto.

 

Antidumping

No próximo ano, o Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior (Mdic) deverá fazer uma revisão da tarifa antidumping para a importação do alho chinês. A Anapa deverá formalizar o seu interesse na renovação da tarifa, mas, para isso, tem que provar que o produto chinês continua causando danos ao mercado doméstico.

 O alho importado da China paga a tarifa antidumping desde 1996. Até 2009, o recolhimento da tarifa ficava em torno de 20%, o que obrigou a Anapa a formalizar a solicitação para a aplicação correta da tarifa. A partir daí, a arrecadação chegou até 100%, mas com a judicialização da questão e a concessão de liminares para importadores, houve diminuição da arrecadação, levando a entidade a pedir a revisão de escopo da medida antidumping.

 A cada cinco anos, o governo analisa a necessidade de manter a cobrança da tarifa.  “O dano continua a existir, sendo vital para a produção nacional de alho a renovação por mais cinco anos”, enfatiza o presidente da Anapa.

Fonte:http://www.correiobraziliense.com.br/app/noticia/economia/2017/09/18/internas_economia,626753/alho-brasileiro-sofre-com-concorrencia-desleal-mas-tem-melhor-qualida.shtml